quinta-feira, 11 de junho de 2015

o trabalho pedagógico: professor, aluno e conteúdo

Cléophas Mudita Ilunga
Mestrando em Educação

Comentário sobre a frase  do Prof. Dr. Carlos Libâneo sobre o trabalho pedagógico

O modo de trabalhar pedagogicamente com algo depende do modo de trabalhar  epistemologicamente com algo, considerando as condições físicas, cognitivas, efectivas de aluno e o contexto sociocultural de aprendizagem em que vive.

O trabalho pedagógico envolve muitos elementos para tornar-se efectivo. Isto é, envolve o professor, o aluno, o conteúdo e outros elementos tais como o factor cognitivo e ambiental. Combinando esses elementos o professor deverá saber quais são os procedimentos, as técnicas e métodos a serem usados para que haja uma verdadeira mediação. Nisso associa-se o contexto sociocultura de aprendizagem em que vive o aluno. Esses elementos devem conjugar para tornar possível a acção pedagógica. A posição a ser defendida aqui é de que não deve haver incompatibilidade entre a formação cultural e científica que visa o desenvolvimento das capacidades intelectuais e a consideração do conhecimento quotidiano dos alunos e dos factores socioculturais na aprendizagem[1].
O trabalho pedagógico, no entanto, deve ser ligado à experiência do aluno. Para que haja uma mediação, o professor deverá saber que cada aluno tem a sua experiência ou a sua história e que o contexto em que vive influencia muito na sua educação. Assim, o não respeito da sua realidade é uma injustiça social face ao aluno e é antidemocrático. A escola nova promove a justiça social e a democracia na acção pedagógica.
Na perspectiva de Libâneo, o cumprimento da justiça social por meio da atividade de aprendizagem e do ensino - conforme a ideia vygotskiana de que a função primordial do ensino é promover e ampliar o desenvolvimento da capacidade intelectuais, - implica uma relação pessoal entre o professor e o aluno visando o aprimoramento da mediação cognitiva deste último. Ao mesmo tempo, como a escola ensina a sujeitos concretos, é preciso que a aprendizagem de conteúdos e de procedimentos mentais esteja ligada à experiência sociocultural. O lema que resume este pensamento é a expressão de Gimeno Sacristán: uma escolarização igual, para sujeitos diferentes, por meio de um currículo comum [2].
Portanto, na aprendizagem deve haver o cumprimento da justiça social e da democracia. Na nossa realidade moçambicana, ao invés de promover a mediação cognitiva de forma democrática e justa, vê-se que ainda é uma ditadura que se aplica na aprendizagem. Só o professor é que tem conhecimento e razão. O aluno não tem direito de dar uma opinião diferente à do professor por ter medo de ser perseguido por ele e receber uma nota negativa nas provas. Para o professor, um aluno que opina de forma contrário é visto como um aluno que descobre as insuficiências do professor ou desafia o professor por não ter domínio da matéria. Assim, o aluno se limite naquilo que o professor transmite, e  na prova ele faz a devolução da matéria que recebeu de forma taxativa. Com isso, não há espaço de ligar as experiências do aluno com a aprendizagem. Esta maneira de proceder afasta a actividade de aprendizagem e do ensino e contraria o que o autor propôs quando diz que o cumprimento da justiça social por meio da actividade de aprendizagem e do ensino implica uma relação pessoal entre o professor e o aluno. Que tipo de relação que o professor tem com o aluno enquanto não dá espaço a ele para desenvolver as suas capacidades ? O ensino em Moçambique precisa ainda de ser revista para dar chance aos alunos a desenvolver as sua capacidades tendo em conta o contexto sociocultural de aprendizagem de cada um. A sociedade moçambicana deveria associar-se ao clamor da sociedade contemporânea no âmbito do processos de ensino que deve ajudar os alunos no seu desenvolvimento, cultural, científico, ético e afectivo. A aprendizagem escolar deve ser um fator de ampliação das capacidades dos alunos de promover mudanças, em si e nas condições objectivas em que vivem, fundamentando-se na ética da justiça social. Para isso, trata-se de articular a formação cultural e científica com as práticas socioculturais (diferenças, valores, redes de conhecimento, etc.) de modo a promover interfaces pedagógico-didácticas entre o conhecimento teórico-científico e as formas de conhecimento local e quotidiano[3].
Quanto a questão de defender a exigência de formação cultural e científica (no sentido de conteúdos como base para o desenvolvimento de capacidades intelectual), achou-se que esta formação, sobretudo quando se trata do desenvolvimento de capacidade intelectual, deve caminhar juntos com as diferenças sócio culturais ou seja, deve ter em conta das diferenças socioculturais dos alunos para que se torna efectivo esta educação. Assim, a educação e o ensino se constituem como formas universais e necessárias do desenvolvimento mental, em cujo processo estão ligados os factores socioculturais e as condições internas dos indivíduos. E também, o desenvolvimento da actividade psíquica, isto é, dos processos psicológicos superiores, tem sua origem nas relações sociais do indivíduo em seu contexto social e cultural[4]. Desta forma, não se pode separar a formação cultural e científica às diferenças socioculturais dos alunos para não violar o processo normal de aquisição do conhecimento.     Em Moçambique há várias culturas, isto é, a zona norte tem a sua cultura, a zona centro e sul idem, embora haja outros aspectos da cultura que se assemelham. O facto de ter várias culturas no mesmo país faz com que a formação cultural e científica não respeite sempre as diferenças sócioculturais dado que, a planificação do currículo é feita a nível central para ser realizada ou implementado ao nível local. Isto implica que, o que se planifica ao nível central não corresponda na totalidade na realidade que se vive ao nível local ou que cada aluno vive no seu ambiente. Um outro aspecto a notar é que muitos professores alocados numa determinada província não tenham nenhuma noção da cultura desta zona. Esta é uma grande dificuldade que se vive no nosso dia a dia. Para tentar superar esta dificuldade há uma pequena abertura de 20% do currículo local que está sendo implementando ao nível de cada província, mas ainda com dificuldade e é insignificante na realidade escolar.
A transmissão do conhecimento baseada na realidade que vive o aluno é muito importante e faz parte das atribuições que a escola e os professores devem cumprir como tarefa. Deste modo, o papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos conteúdos. Mas como apropriar-se dos conteúdos se estes não estivessem relacionados com a realidade do aluno ? aqui se quer mostrar a necessidade da consideração das diferenças socioculturais dos alunos. Neste sentido, a metodologia de ensino consiste em instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência que se ensina[5]. Tudo o que se ensina deveria ser ligado e associado à realidade em que vive o aluno. Esta é a razão da presença da escola. E lidar com ela é ir ao encontro das práticas socioculturais que os alunos têm como pré-requisito. Assim, usando as palavras de Libâneo, as práticas socioculturais e institucionais que criança e jovem compartilham na família, na sociedade e nas várias instâncias de vida quotidiana são também determinantes na formação de capacidades e habilidades, na apropriação do conhecimento e na identidade pessoal. As práticas socioculturais aparecem na escola tanto como contexto da aprendizagem quanto como conteúdo[6]. Na sua prática metodológicas, o professor deverá adaptar-se e baixar-se ao nível de alunos, isto é, chegar ao nível da sua realidade, naquilo que o aluno vive no seu dia a dia. É nisto que se articula o conteúdo para sua formação.
O ambiente familiar e outros ambientes para onde passa a criança contribuem no desenvolvimento das capacidades mentais dado que as experiências vividas no ambiente familiar encontram-se relacionadas com as que a escola oferece. Assim a criança apropria-se delas e tornam-se uma nova realidade vivida pela criança.
Portanto, a tarefa da escola contemporânea consiste em ensinar os alunos a orientarem-se independentemente na informação científica e em qualquer outra, ensiná-los a pensar, mediante um ensino que impulsione o desenvolvimento mental. O autor afirma tambem que o conteúdo da actividade escolar é o conhecimento teórico-científico e as ações mentais que lhe correspondem. A base  do ensino desenvolvimental, portanto, é o conteúdo a ser ensinado[7]
Assim sendo, o pensar da criança ou o seu desenvolvimento mental relaciona-se com o conteúdo recebido em conexão com a sua realidade ou seja, com o seu contexto sociocultural. O conhecimento teórico teria que ser relacionado com o conhecimento local de modo que as crianças se apropriassem de conceitos pessoais que podem funcionar como ferramentas para analisar e compreender árias temáticas de problemas em sua comunidade local[8]
Na realidade da sala de aula, muitas vezes não se tem em conta das práticas socioculturais e institucionais que vivem os alunos. Transmite-se o que está patente no programa e nos livros. As particularidades socioculturais são esquecidas por ignorância ou por não saber que tem uma influência na formação de capacidade e apropriação do conhecimento. Na formação do professor nem tudo está esclarecido. O professor dá aquilo que aprendeu e não mais nada do que isso. Mas não deveria ser assim. O professor pelo contrário, deveria ajudar o aluno a ir mais além a partir do conhecimento daquilo que ele vive e sabe. Deste modo, o papel do professor será o de ajudar o aluno a interiorizar os modos de pensar, de raciocinar, de investigar e de actuar da ciência ensinada. Em outras palavras, ajudar o aluno a utilizar os conceitos como ferramentas para actuar na realidade, com os outros, consigo mesmo[9]. Por isso precisa que o aluno tenha uma motivação para o efeito. Assim, motivos e conhecimento estão dialecticamente ligados porque o conhecimento fornece conteúdo para motivos e motivos determinam apropriação do conhecimento. Um motivo do aluno para a aprendizagem e aquisição de habilidades e conhecimentos específicos não se desenvolvem independentemente do ensino[10].
A organização das actividades de ensino deve estar em conformidade com os componentes de uma tarefa de aprendizagem: a análise do conteúdo, o domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que têm carácter gereralizante, a dedução do geral ao particular, a aplicação de um conceito geral para casos particulares. Esses componentes associam-se ao outro lado da actividade de ensino, que são os motivos do estudante e o contexto sociocultural e institucional em que se dá a aprendizagem[11].
A organização das Actividades de ensino, como mostram os autores supracitados, vai junto com a tarefa de aprendizagem. infelizmente, fazer uma conexão entre o conteúdo com os motivos ligados ao contexto sociocultural é o que os professores que somos, não conseguimos fazer, sobretudo quando se trata de identificar conceitos nucleares e fazer a análise dos motivos dos alunos. Tudo isso é devido a falta duma preparação enquanto na formação de professor. No entanto, esta ligação é imprescindível para uma aprendizagem de qualidade. Quanto a dedução do geral ao particular, muitos  professores conseguem fazer isso, mas não a aplica  a todo tipo de conteúdo ou conceito. Portanto, viu-se que a aprendizagem sustentável e de qualidade deve fazer uma relacão entre o conteúdo a ensinar com o contexto sociocultural em que vive os alunos. Em outras palavras, a experiência social e cultural do aluno empenha um papel muito importante no desenvolvimento da capacidade intelectual. Por isso, na sua prática diária, o professor deverá ter em conta deste aspecto para tornar efetivo o ensino.
No concernente de estabelecer conexões entre conceitos de: actividade de estudo, motivos dos alunos, tarefas de aprendizagem, formação de operações mentais (conceitos), pode-se afirmar que, no processo de ensino e aprendizagem, a grande preocupação do professor é de ver o aluno, a partir de conteúdos, desenvolver as suas capacidades intelectuais. Estas capacidades desenvolvem-se à medida que o aluno entre em contacto com a realidade do seu ambiente, com certas tarefas a realizar e dos motivos que lhe leve a aprender.
Segundo Libâneo, o ensino voltado para o desenvolvimento do pensamento teórico-científico requer do professor que ele leve os alunos a “colocarem-se efectivamente em actividade de aprendizagem”. Na actividade de aprendizagem os alunos devem formar conceitos e com eles operar mentalmente (procedimentos lógicos do pensamento), por meio do domínio de símbolos e instrumentos culturais socialmente disponíveis e que na disciplina estudada encontram-se na forma de objectos de aprendizagem (conteúdos) [12].
A associação de actividade de estudo, os motivos do aluno e  as tarefas da aprendizagem constitui a base para formação dos conceitos e a descoberta da relação que estes têm com a realidade. Desta forma, o conteúdo da matéria deverá suscitar no aluno o gosto de aprender. Assim, o que se ressalta nesta vinculação entre conteúdos e motivos não é apenas que o ensino deve estar adequado aos motivos dos alunos, mas que são os conteúdos que mobilizam neles motivos por meio de acções com o conteúdo. Ou seja, ao se estudar um conteúdo, espera-se que os alunos ajam de modo a desenvolver capacidades e habilidades específicas, o que, por sua vez, depende de ações determinadas por expectativas socialmente determinadas tanto pela escola quanto pelos professores. Os alunos entram em actividade de aprendizagem se eles de fato tiverem motivos (sociais/individuais) para aprender. O papel da escola e dos professores, portanto, inclui também formar nos alunos motivos éticos e sociais[13].
A tarefa de estudo, que é tão somente o começo do desdobramento da actividade de estudo na sua plenitude, exige dos alunos da escola uma análise das condições de origem destes ou daqueles conhecimentos teóricos e o domínio das formas de acções generalizadas correspondentes. Em outras palavras, ao resolver a tarefa de estudo o aluno descobre no objecto sua relação de origem ou essencial[14].
Desta forma, para que haja uma assimilação da matéria, o professor deveria criar nos alunos o gosto e interesse do conteúdo mediado para poder aumentar nele a probabilidade de acatar o conhecimento. O exemplo de Davidov explicita melhor ao dizer que, a criança assimila um certo material sob a forma de actividade de estudo somente quando ela tem uma necessidade e motivação interior para tal assimilação. Ademais, isto está relacionado com uma transformação do material assimilado e desta forma com a obtenção de um novo produto espiritual, ou seja de conhecimento deste material. Sem isto não há uma plena Actividade humana[15].
Acontece muitas vezes que na mediação dos conteúdos o professor faça o seu esforço para terminar matéria previsto no programa ou leccionar o que foi planificado sem ter em conta de outros aspectos de aprendizagem tais como motivar o aluno para a assimilação da matéria, ajudar o aluno na formação de operações mentais que torna possível na solução de problemas, estudos de caso, perguntas, etc. Limitar-se na transmissão do conhecimento deixa o aluno com lacunas. O professor pelo contrário  tem o papel de ensinar a aprender, desenvolver as capacidades intelectuais dos alunos por meio dos conteúdos ou formação de operações, desenvolver capacidade de investigação e fazer análise crítica da realidade. Isso se faz por meio de estudo para favorecer motivos dos alunos. O  aluno aprende melhor quando está numa situação de produzir.



 Cléophas Mudita Ilunga

2014



[1] LIBÂNEO, José. Didática na formação de professores: entre a exigência democrática de formação cultural e científica e as demandas das práticas socioculturais, p.6
[2] IBIDEM. p. 5
[3] LIBÂNEO, José. Didática na formação de professores: entre a exigência democrática de formação cultural e científica e as demandas das práticas socioculturais, p.7
[4] LIBÂNEO E FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições da teoria histórico-cultural para a didática, p.4
[5] IBIDEM. p.9
[6] Frase extraido do Slide-aula do Prof. Dr. Libâneo
[7] DAVYDOV citado por LIBÂNEO e FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições da teoria histórico-cultural para a didática, p.5
[8] HEDEGAARD, Marianne e CHAIKLIN, Seth. A abordagem do duplo movimento no ensino, p.11
[9] LIBÂNEO E FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições da teoria histórico-cultural para a didática, p.6
[10] HEDEGAARD, Marianne e CHAIKLIN, Seth. A abordagem do duplo movimento no ensino, p.9
[11] LIBÂNEO e FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições da teoria histórico-cultural para a didática, p.7
[12] LIBÂNEO, José. Conteúdos, formação de competências cognitivas e ensino com pesquisa: unindo ensino e modos de investigação, p.8
[13] LIBÂNEO, José. Conteúdos, formação de competências cognitivas e ensino com pesquisa: unindo ensino e modos de investigação,  p.12
[14] DAVIDOV.  O que é a atividade de estudop.3
[15] IBIDEM. p.2

Sem comentários:

Enviar um comentário