Cléophas Mudita Ilunga
Mestrando em Educação
Comentário sobre a frase do Prof. Dr. Carlos Libâneo sobre o trabalho
pedagógico
O modo de trabalhar pedagogicamente com algo depende
do modo de trabalhar epistemologicamente
com algo, considerando as condições físicas, cognitivas, efectivas de aluno e o
contexto sociocultural de aprendizagem em que vive.
O trabalho
pedagógico envolve muitos elementos para tornar-se efectivo. Isto é, envolve o
professor, o aluno, o conteúdo e outros elementos tais como o factor cognitivo
e ambiental. Combinando esses elementos o professor deverá saber quais são os
procedimentos, as técnicas e métodos a serem usados para que haja uma
verdadeira mediação. Nisso associa-se o contexto sociocultura de aprendizagem
em que vive o aluno. Esses elementos devem conjugar para tornar possível a
acção pedagógica. A
posição a ser defendida aqui é de que não deve haver incompatibilidade entre a
formação cultural e científica que visa o desenvolvimento das capacidades
intelectuais e a consideração do conhecimento
quotidiano dos alunos e dos factores socioculturais na aprendizagem[1].
O trabalho
pedagógico, no entanto, deve ser ligado à experiência do aluno. Para que haja
uma mediação, o professor deverá saber que cada aluno tem a sua experiência ou
a sua história e que o contexto em que vive influencia muito na sua educação.
Assim, o não respeito da sua realidade é uma injustiça social face ao aluno e é
antidemocrático. A escola nova promove a justiça social e a democracia na acção
pedagógica.
Na perspectiva de Libâneo, o cumprimento da justiça social por meio da atividade de aprendizagem e
do ensino - conforme a ideia vygotskiana de que a função primordial do ensino é
promover e ampliar o desenvolvimento da capacidade intelectuais, - implica uma
relação pessoal entre o professor e o aluno visando o aprimoramento da mediação
cognitiva deste último. Ao mesmo tempo, como a escola ensina a sujeitos
concretos, é preciso que a aprendizagem de conteúdos e de procedimentos mentais
esteja ligada à experiência sociocultural. O lema que resume este pensamento é
a expressão de Gimeno Sacristán: uma escolarização igual, para sujeitos
diferentes, por meio de um currículo comum [2].
Portanto, na
aprendizagem deve haver o cumprimento da justiça social e da democracia. Na nossa
realidade moçambicana, ao invés de promover a mediação cognitiva de forma
democrática e justa, vê-se que ainda é uma ditadura que se aplica na
aprendizagem. Só o professor é que tem conhecimento e razão. O aluno não tem
direito de dar uma opinião diferente à do professor por ter medo de ser
perseguido por ele e receber uma nota negativa nas provas. Para o professor, um
aluno que opina de forma contrário é visto como um aluno que descobre as
insuficiências do professor ou desafia o professor por não ter domínio da
matéria. Assim, o aluno se limite naquilo que o professor transmite, e na prova ele faz a devolução da matéria que
recebeu de forma taxativa. Com isso, não há espaço de ligar as experiências do
aluno com a aprendizagem. Esta maneira de proceder afasta a actividade de
aprendizagem e do ensino e contraria o que o autor propôs quando diz que o cumprimento da justiça
social por meio da actividade de aprendizagem e do ensino implica uma relação
pessoal entre o professor e o aluno. Que tipo de relação que o professor tem
com o aluno enquanto não dá espaço a ele para desenvolver as suas capacidades ?
O ensino em Moçambique precisa ainda de ser revista para dar chance aos alunos
a desenvolver as sua capacidades tendo em conta o contexto sociocultural de
aprendizagem de cada um. A sociedade moçambicana deveria associar-se ao clamor
da sociedade contemporânea no âmbito do processos de
ensino que deve ajudar os alunos no seu desenvolvimento, cultural, científico,
ético e afectivo. A aprendizagem escolar deve ser um fator de ampliação das
capacidades dos alunos de promover mudanças, em si e nas condições objectivas em
que vivem, fundamentando-se na ética da justiça social. Para isso, trata-se de
articular a formação cultural e científica com as práticas socioculturais
(diferenças, valores, redes de conhecimento, etc.) de modo a promover
interfaces pedagógico-didácticas entre o conhecimento teórico-científico e as
formas de conhecimento local e quotidiano[3].
Quanto a questão de defender
a exigência de formação cultural e científica (no sentido de conteúdos como
base para o desenvolvimento de capacidades intelectual), achou-se que esta
formação, sobretudo quando se trata do desenvolvimento de capacidade
intelectual, deve caminhar juntos com as diferenças sócio culturais ou seja,
deve ter em conta das diferenças socioculturais dos alunos para que se torna
efectivo esta educação. Assim, a educação e o ensino se constituem como formas
universais e necessárias do desenvolvimento mental, em cujo processo estão
ligados os factores socioculturais e as condições internas dos indivíduos. E também,
o desenvolvimento da actividade psíquica, isto é, dos processos psicológicos
superiores, tem sua origem nas relações sociais do indivíduo em seu contexto
social e cultural[4].
Desta forma, não se pode separar a formação cultural e científica às diferenças
socioculturais dos alunos para não violar o processo normal de aquisição do
conhecimento. Em
Moçambique há várias culturas, isto é, a zona norte tem a sua cultura, a zona
centro e sul idem, embora haja outros aspectos da cultura que se assemelham. O
facto de ter várias culturas no mesmo país faz com que a formação cultural e
científica não respeite sempre as diferenças sócioculturais dado que, a
planificação do currículo é feita a nível central para ser realizada ou
implementado ao nível local. Isto implica que, o que se planifica ao nível
central não corresponda na totalidade na realidade que se vive ao nível local
ou que cada aluno vive no seu ambiente. Um outro aspecto a notar é que muitos
professores alocados numa determinada província não tenham nenhuma noção da
cultura desta zona. Esta é uma grande dificuldade que se vive no nosso dia a
dia. Para tentar superar esta dificuldade há uma pequena abertura de 20% do
currículo local que está sendo implementando ao nível de cada província, mas
ainda com dificuldade e é insignificante na realidade escolar.
A transmissão do
conhecimento baseada na realidade que vive o aluno é muito importante e faz
parte das atribuições que a escola e os professores devem cumprir como tarefa. Deste
modo, o papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades
mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos conteúdos. Mas como
apropriar-se dos conteúdos se estes não estivessem relacionados com a realidade
do aluno ? aqui se quer mostrar a necessidade da consideração das diferenças
socioculturais dos alunos. Neste sentido, a metodologia de ensino consiste em
instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos
conceituais e os processos de investigação da ciência que se ensina[5]. Tudo o
que se ensina deveria ser ligado e associado à realidade em que vive o aluno. Esta
é a razão da presença da escola. E lidar com ela é ir ao encontro das práticas
socioculturais que os alunos têm como pré-requisito. Assim, usando as palavras
de Libâneo, as práticas socioculturais e institucionais que criança e jovem
compartilham na família, na sociedade e nas várias instâncias de vida quotidiana
são também determinantes na formação de capacidades e habilidades, na
apropriação do conhecimento e na identidade pessoal. As práticas socioculturais
aparecem na escola tanto como contexto da aprendizagem quanto como conteúdo[6]. Na
sua prática metodológicas, o professor deverá adaptar-se e baixar-se ao nível
de alunos, isto é, chegar ao nível da sua realidade, naquilo que o aluno vive
no seu dia a dia. É nisto que se articula o conteúdo para sua formação.
O ambiente familiar e outros
ambientes para onde passa a criança contribuem no desenvolvimento das
capacidades mentais dado que as experiências vividas no ambiente familiar encontram-se
relacionadas com as que a escola oferece. Assim a criança apropria-se delas e
tornam-se uma nova realidade vivida pela criança.
Portanto, a tarefa da escola
contemporânea consiste em ensinar os alunos a orientarem-se independentemente
na informação científica e em qualquer outra, ensiná-los a pensar, mediante um
ensino que impulsione o desenvolvimento mental. O autor afirma tambem que o
conteúdo da actividade escolar é o conhecimento teórico-científico e as ações
mentais que lhe correspondem. A base do
ensino desenvolvimental, portanto, é o conteúdo a ser ensinado[7].
Assim sendo, o pensar da
criança ou o seu desenvolvimento mental relaciona-se com o conteúdo recebido em
conexão com a sua realidade ou seja, com o seu contexto sociocultural. O
conhecimento teórico teria que ser relacionado com o conhecimento local de modo
que as crianças se apropriassem de conceitos pessoais que podem funcionar como
ferramentas para analisar e compreender árias temáticas de problemas em sua
comunidade local[8].
Na realidade da sala de
aula, muitas vezes não se tem em conta das práticas socioculturais e
institucionais que vivem os alunos. Transmite-se o que está patente no programa
e nos livros. As particularidades socioculturais são esquecidas por ignorância
ou por não saber que tem uma influência na formação de capacidade e apropriação
do conhecimento. Na formação do professor nem tudo está esclarecido. O
professor dá aquilo que aprendeu e não mais nada do que isso. Mas não deveria
ser assim. O professor pelo contrário, deveria ajudar o aluno a ir mais além a
partir do conhecimento daquilo que ele vive e sabe. Deste modo, o papel do
professor será o de ajudar o aluno a interiorizar os modos de pensar, de
raciocinar, de investigar e de actuar da ciência ensinada. Em outras palavras,
ajudar o aluno a utilizar os conceitos como ferramentas para actuar na
realidade, com os outros, consigo mesmo[9]. Por
isso precisa que o aluno tenha uma motivação para o efeito. Assim, motivos e
conhecimento estão dialecticamente ligados porque o conhecimento fornece
conteúdo para motivos e motivos determinam apropriação do conhecimento. Um
motivo do aluno para a aprendizagem e aquisição de habilidades e conhecimentos
específicos não se desenvolvem independentemente do ensino[10].
A organização das actividades
de ensino deve estar em conformidade com os componentes de uma tarefa de
aprendizagem: a análise do conteúdo, o domínio dos procedimentos lógicos do
pensamento que têm carácter gereralizante, a dedução do geral ao particular, a
aplicação de um conceito geral para casos particulares. Esses componentes
associam-se ao outro lado da actividade de ensino, que são os motivos do
estudante e o contexto sociocultural e institucional em que se dá a
aprendizagem[11].
A organização das Actividades
de ensino, como mostram os autores supracitados, vai junto com a tarefa de
aprendizagem. infelizmente, fazer uma conexão entre o conteúdo com os motivos
ligados ao contexto sociocultural é o que os professores que somos, não
conseguimos fazer, sobretudo quando se trata de identificar conceitos nucleares
e fazer a análise dos motivos dos alunos. Tudo isso é devido a falta duma
preparação enquanto na formação de professor. No entanto, esta ligação é imprescindível
para uma aprendizagem de qualidade. Quanto a dedução do geral ao particular,
muitos professores conseguem fazer isso,
mas não a aplica a todo tipo de conteúdo
ou conceito. Portanto, viu-se que a aprendizagem sustentável e de qualidade
deve fazer uma relacão entre o conteúdo a ensinar com o contexto sociocultural
em que vive os alunos. Em outras palavras, a experiência social e cultural do
aluno empenha um papel muito importante no desenvolvimento da capacidade
intelectual. Por isso, na sua prática diária, o professor deverá ter em conta
deste aspecto para tornar efetivo o ensino.
No concernente de
estabelecer conexões entre conceitos de: actividade de estudo, motivos dos
alunos, tarefas de aprendizagem, formação de operações mentais (conceitos), pode-se
afirmar que, no processo de ensino e aprendizagem, a grande preocupação do
professor é de ver o aluno, a partir de conteúdos, desenvolver as suas capacidades
intelectuais. Estas capacidades desenvolvem-se à medida que o aluno entre em
contacto com a realidade do seu ambiente, com certas tarefas a realizar e dos
motivos que lhe leve a aprender.
Segundo Libâneo, o ensino
voltado para o desenvolvimento do pensamento teórico-científico requer do
professor que ele leve os alunos a “colocarem-se efectivamente em actividade de
aprendizagem”. Na actividade de aprendizagem os alunos devem formar conceitos e
com eles operar mentalmente (procedimentos lógicos do pensamento), por meio do
domínio de símbolos e instrumentos culturais socialmente disponíveis e que na disciplina
estudada encontram-se na forma de objectos de aprendizagem (conteúdos) [12].
A associação de actividade
de estudo, os motivos do aluno e as
tarefas da aprendizagem constitui a base para formação dos conceitos e a
descoberta da relação que estes têm com a realidade. Desta forma, o conteúdo
da matéria deverá suscitar no aluno o gosto de aprender. Assim, o que se ressalta nesta
vinculação entre conteúdos e motivos não é apenas que o ensino deve estar
adequado aos motivos dos alunos, mas que são os conteúdos que mobilizam neles
motivos por meio de acções com o conteúdo. Ou seja, ao se estudar um conteúdo,
espera-se que os alunos ajam de modo a desenvolver capacidades e habilidades
específicas, o que, por sua vez, depende de ações determinadas por expectativas
socialmente determinadas tanto pela escola quanto pelos professores. Os alunos
entram em actividade de aprendizagem se eles de fato tiverem motivos
(sociais/individuais) para aprender. O papel da escola e dos professores,
portanto, inclui também formar nos alunos motivos éticos e sociais[13].
A tarefa de estudo, que é tão somente o começo do
desdobramento da actividade de estudo na sua plenitude, exige dos alunos da
escola uma análise das condições de origem destes ou daqueles conhecimentos
teóricos e o domínio das formas de acções generalizadas correspondentes. Em
outras palavras, ao resolver a tarefa de estudo o aluno descobre no objecto sua
relação de origem ou essencial[14].
Desta forma, para que haja uma assimilação da matéria,
o professor deveria criar nos alunos o gosto e interesse do conteúdo mediado
para poder aumentar nele a probabilidade de acatar o conhecimento. O exemplo de
Davidov explicita melhor ao dizer que, a criança assimila um certo material sob
a forma de actividade de estudo somente quando ela tem uma necessidade e
motivação interior para tal assimilação. Ademais, isto está relacionado com uma
transformação do material assimilado e desta forma com a obtenção de um novo
produto espiritual, ou seja de conhecimento deste material. Sem isto não há uma
plena Actividade humana[15].
Acontece muitas vezes que na mediação dos conteúdos o
professor faça o seu esforço para terminar matéria previsto no programa ou
leccionar o que foi planificado sem ter em conta de outros aspectos de
aprendizagem tais como motivar o aluno para a assimilação da matéria, ajudar o
aluno na formação de operações mentais que torna possível na solução de
problemas, estudos de caso, perguntas, etc. Limitar-se na transmissão do
conhecimento deixa o aluno com lacunas. O professor pelo contrário tem o
papel de ensinar a aprender, desenvolver as capacidades intelectuais dos alunos
por meio dos conteúdos ou formação de operações, desenvolver capacidade de
investigação e fazer análise crítica da realidade. Isso se faz por meio de
estudo para favorecer motivos dos alunos. O
aluno aprende melhor quando está numa situação de produzir.
Cléophas Mudita Ilunga
2014
[1]
LIBÂNEO, José. Didática na formação de professores: entre a exigência
democrática de formação cultural e científica e as demandas das práticas
socioculturais, p.6
[2] IBIDEM. p. 5
[3]
LIBÂNEO, José. Didática na formação de professores: entre a exigência
democrática de formação cultural e científica e as demandas das práticas
socioculturais, p.7
[4] LIBÂNEO E FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições
da teoria histórico-cultural para a didática, p.4
[5] IBIDEM. p.9
[7]
DAVYDOV citado por LIBÂNEO
e FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov-
contribuições da teoria histórico-cultural para a didática, p.5
[8] HEDEGAARD, Marianne e CHAIKLIN,
Seth. A abordagem do duplo movimento no
ensino, p.11
[9] LIBÂNEO E FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições
da teoria histórico-cultural para a didática, p.6
[10] HEDEGAARD, Marianne e CHAIKLIN,
Seth. A abordagem do duplo movimento no
ensino, p.9
[11] LIBÂNEO e FREITA. Vigotsky, Leontiev, Davydov- contribuições
da teoria histórico-cultural para a didática, p.7
[12] LIBÂNEO, José. Conteúdos,
formação de competências cognitivas e ensino com
pesquisa: unindo ensino e modos de investigação, p.8
[13] LIBÂNEO, José. Conteúdos,
formação de competências cognitivas e ensino com
pesquisa: unindo ensino e modos de investigação, p.12
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