Muntugogia: uma
reflexão sobre a pedagogia do Muntu.
- Introdução
O
presente trabalho trata-se da reflexão sobre a teoria de Muntugogia, uma teoria
que coloca o Muntu no centro das atenções e da pedagogia, e sustenta que, tendo
em conta dos valores culturais que a africa tem, deve ser promovida uma
pedagogia que seja própria ao Muntu, pedagogia construída na base da realidade
que vive o africano.
Deste
modo, três pontos serão tratados. O primeiro ponto trata-se da contextualização
da teoria da Muntogogia na qual se apresenta a necessidade da dita pedagogia. O
segundo ponto trata-se do fundamento da Muntugogia. Aqui vão ser apresentados
os três pilares que sustentam o teoria da pedagogia do Munto. Isto é, a epistemologia,
a axiologia e a ontologia. No quarto
ponto serão feitas as considerações gerais e por fim a bibliografia.
- Contextualização
A
“Muntugogia” ou Pedagogia do Muntu, é uma nova nomenclatura da pedagogia aplicada à pessoa africana chamada Muntu. Esta
pedagogia procura atender de forma
particular a pessoa africana na realidade do seu contexto sociocultural para
responder às espectativas da sua sociedade.
O
que sustenta a pedagogia do Muntu é a sua particularidade. Do mesmo modo que
existe uma educação americana ou europeia ou ainda asiática, deve também
existir uma educação que seja puramente africana, que corresponde com a cultura
e realidade africana. Deste modo, o Muntu, como africana, tem a sua educação
que é diferente doutras educações (europeia, asiática, americana, etc.), os
seus valores tradicionais são diferentes e o seu modo de pensar e de
interpretar a realidade do mundo é diferente. Estes elementos todos fazem com
que se pensa numa outra pedagogia baseada de forma particular na pessoa africana,
o Muntu, uma educação personificada, específica
destinada ao Muntu. A educação africana constitui o meio para compreender e
fundamentar a Muntugogia. Assim, segundo a preocupação do autor iniciador de Muntugogia,
precisa conhecer a pessoa que deve ser educada, conhecer os valores a
transmitir e método educativo a privilegiar para que haja educação[1].
A
Muntugogia aparece como uma resposta a um questionamento de longos anos, de ver
a educação europeia “invadir” a identidade africana, dado que não houve a
ideia de ter uma filosofia de educação
propriamente africana.
- Fundamento
da Muntugogia
Para
fundamentar a Muntugogia baseia-se nas tarefa da filosofia da educação. Isto é,
na tarefa epistemológica, axiológica e ontológica.
2.1.A tarefa epistemológica
A
epistemologia como teoria do conhecimento ou estudo crítico das várias
ciências, é considerada como o momento crucial para a elaboração de uma teoria.
É aqui que encontramos justificação da
filosofia da educação africana chamada Muntugogia.
Portanto,
a pedagogia do Muntu ou Muntugogia encontra a sua justificação naquilo que a
história relata acerca da educação. Viu-se que, desde muito o povo africano
tinha a sua maneira de educar os seus filhos, tinha um modo particular de
tratar os filhos e mostra que todos tinha uma educação comum organizada em
etapas. Isto é, cada faixa etária tinha um módulo de formação em que cada
criança ou jovem devia receber. Portanto, a justificação de Muntugogia acha-se
presente na fundamentação feito pelos depositários da cultura africanas mostrando
e explicando como é que foi concebida a educação, quais factores a considerar
para que seja válida esta educação. Nesta perspectiva, recorre-se à metodologia
da “sage philosophy” de Henry Odera Oruka, que, segundo Bono (2014:188), propõe
legitimar um método da filosofia africana que não siga os cânones da filosofia
clássica europeia, mas parta da vida e do pensamento dos sábios, depositários
da sapiência e, por conseguinte, da filosofia africana. Deste modo, a pesquisa
realizada junto dos sábios do território de Inhambane mostram-se fiáveis para
fundamentar a base epistemológica da Muntugogia.
2.2.A tarefa axiológica
Para
falar da Muntugogia, precisa conhecer o Muntu que é o objecto principal desta
pedagogia africana, a sua cultura e os valores que são transmitidos. A
axiologia é a base de toda a acção
pedagógica. Segundo Silva (1995:70), a educação sempre se faz a partir
de bases axiológicas, portanto fundamentada em determinados valores e visando,
por outro lado, a transmissão , reprodução, ou criação de novos valores.
Em
outras palavras, sem a axiologia não há pedagogia, dado que esta tem seus objectivos e metas a alcançar. Assim,
a educação faz-se por meio de valores. Os valores africanos sobre os quais se
constrói a Muntugogia estão presentes nas categorias axiológicas[2]
apresentadas pelo autor iniciador da teoria e das pesquisas e escritos
(citados, por completo na obra: “Muntuísmo”) que foram consultados e auxiliaram
sobremaneira na configuração do quadro de referencias indispensável para
fundamentação da teoria sobre a pedagogia do Muntu.
Bono
(2014: 169ss), apresenta um leque de categorias axiológicas sobre o qual
assenta a Muntugogia. Abordando o pensamento de Amaral, mostra que há sete
categorias existências na cultura africana.
A escuta, considerada como elemento fundamental para uma cultura baseada na
oralidade. Na sociedade tradicional africana a palavra tem poder sobre o
indivíduo e por isso tem o seu correspondente, a escuta,
uma virtude que exige a fidelidade ao conteúdo da mensagem herdada dos
antepassados e que deve passar de geração em geração. O encontro é uma outra
categoria. Este, caracteriza a vida do africano, porque os acontecimentos ou
circunstâncias dentro da sociedade é uma ocasião para encontro. A relação com
Deus, os antepassados, o clã e a família, marca a cultura africana. A acolhida
e a hospitalidade é uma virtude próprio ao africano. A simpatia e empatia é
muito sentida na sociedade africana e também a alegria, festa e esperança,
caracterizam o povo africano. Estas categorias são muito importantes para a
educação do africano. Pode-se dizer também que estes valores estão no sangue do
africano de modo que ninguém pode lhe tirar. Comentando a ideia de Langa, o
autor supracitado mostra que este último
limitou-se à educação negro moçambicano como educação tradicional
africana. Esta educação caracteriza-se pela sua unidade, isto é não há
diferença entre o profano e o sagrado, existe só um mundo. Também mostra que
educação é teocrática dado que Deus é o ponto de partida e de chagada de toda a
educação. Acrescentou-se que a educação é homocêntrica, porque é o Muntu que
está no centro das preocupações. A educação africana é faseada, isto é,
respeita a idade de cada um. Existem conteúdos diferentes para cada faixa
etária. E por fim a educação é participativa dado que é toda a família nuclear
que é responsável desta educação.
Na
mesma ordem de ideia, Ngoenha citado por Bono (op.cit: 133), mostra que educar
é antes de mais transmitir valores. Não é possível educar ou fazer uma teoria
da educação sem uma ideia de homem, sociedade, história, cultura e vida. A
maior preocupação não deve ser a
respeito do aspecto formal (metodológica, didáctica, etc.) mas material
e isto é, os conteúdos axiológicos que
se pretendem transmitir, os objectivos por atingir. Parafraseando Castiano,
Bono mostra que os saberes locais devem ocupar um lugar muito importante na
educação, eles refletem a identidade do africano. Deste modo, os saber ou as
experiências que o Muntu vive no seu dia a dia deve ficar patente no currículo.
Por esta razão chegou a ideia da união de valores da localização e de globalização. Falando disto, viu-se que
Castiano privilegia um paradigma da educação que valorize a universalidade, a
africanidade e a moçambicanidade. O que está em relevo são os valores. Como diz
Silva (Ibid: 27), a reflexão filosófica sempre trabalhou com “categorias
axiológicas”, não apenas visando aplica-las espontaneamente, como se dá no
pensar cotidiano, mas realizando também um questionamento sistemático a
respeito da função dessas categorias, suas origens e limitações, relações e
influências mútuas, condições objectivas de surgimento, manutenção e
transformação.
Portanto,
as bases axiológicas do Muntugogia estão bem fundamentadas e alicerçadas
naquilo que o africano vive no seu dia a dia. Assim, não pode existir uma Muntugogia que não
seja baseada nos valores, aliás, nos valores que sejam conhecidos como
africanos.
2.3.Tarefa ontológica
Na
justificação epistemológica da Muntugogia viu-se que o povo africano tem uma
educação diferente de outros povos. Esta particularidade da educação está
enraizada no Muntu como ser de relação, e é ligada na sua concepção do mundo,
da natureza, do homem e de Deus. Deste
modo, a ontologia da Muntugogia vai junto com a epistemologia. Esta é a força
vital e tem uma ideia de um ser
dinâmico, transcendente, um ser ontologicamente religioso. Portanto, a
Muntugogia é uma ontologia transcendental dado que a sua educação é para
gerações. em outra palavras, pode educar o Muntu para muitas gerações sem
perder o seu valor.
- Considerações
finais
A
teoria de Muntugogia mostra que o muntu está no centro das atenções pedagógicas
e apresenta a educação africana como meio para fundamentar esta teoria. De
facto, a cultura africana tem uma grande riqueza a ser explorada e considerada
como base para sustentar uma teoria. Do mesmo modo que existe uma pedagogia
para educar um europeu, americano ou asiático, existe também uma pedagogia para
educar o Muntu, uma pedagogia que valorize a cultura do Muntu e a realidade que
vive. Educar um Muntu a partir duma base axiológica não africano é uma
violência para com ele e uma maneira de esperar um resultado não satisfatório
nem autêntico, mas sim, mascarado, isto é, esperar um resultado negativo dado
que as realidades educativas e os valores que sustentam esta educação são
diferentes.
A
Muntugogia revela-se como uma boa saída
para a pessoa e a sociedade africana. Ela deverá aprofundar os aspectos que
lidam directamente com educação. Visto o seu objecto de estudo, a Muntugogia deverá pôr em relevo os
agentes da educação, isto é, apresentar de forma sistemática a sua visão ou
percepção do aluno, educador, escola; mostrar também como é o estado e a Igreja
irão contribuir nesta pedagogia que
valoriza a cultura africa, e que conteúdo educativo e valorativo vai fazer
parte desta pedagogia do Muntu. Serão os
valores culturais africanas tradicionais que serão na base desta educação ou
haverá uma mistura de cultura com objectivos de selecionar o que é bom para o
Muntu ? acho que a internacionalização
de culturas é uma riqueza para a Muntugogia dado que no mundo actual já se
alterou os valores culturais africanas “original”.
A nossa sociedade africana está vivendo uma crise axiológica patente no novo
sistema de educação. Fazer uma pedagogia
essencialmente africana para um africano misto com a cultura ocidental será difícil
mas possível, é um grande desafio. Para a Muntugogia vai ser importante fazer
um estudo comparativo com as outras culturas não africanas para enriquecer mais
a pedagogia do Muntu.
A
educação tradicional africana teve sucesso porque é toda a sociedade que foi
envolvida na educação. A criança ou
jovem tinha medo do adulto (educador) e o respeitava , a família preocupava-se
com a educação dos seus filhos, etc. mas na nossa sociedade actual, a família
não se preocupa tanto na educação dos filhos e cada qual se preocupa com os
seus próprios filhos. Os valores africanos conhecidos até agora perdem aos
poucos a sua força por causa da mundialização. A Muntugogia deverá desta forma,
ter uma estratégia muito forte para desafiar a pedagogia contemporânea que não
respeita os valores africanos, já que as suas bases epistemológicas,
axiológicas e ontológicas são bem fundadas.
A
pedagogia do Muntu, no entanto, deve ser ligado à experiência do Muntu. Para que
haja uma mediação, o educador deverá saber que o Muntu tem a sua experiência ou
a sua história e que o contexto em que vive influencia muito na sua educação. Portanto,
a pedagogia
baseada na realidade que vive a pessoa é muito importante e faz parte da tarefa
que a Muntugogia deve cumprir. Deste modo, o papel da educação na perspectiva
Muntugogista é ajudar o Muntu a ser
educado dentro dos parâmetros da sua cultura, já não são os livros ou a cultura
ocidental que dicta as linhas educativas,
mas sim, os valores africanos e recuperar a sua identidade e os valores
perdidos por causa do sincretismo cultural.
Bibliografia
- BONO, Ezio Lorenzo. Muntuísmo:
A ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea, Maxixe,
Editora Educar, 2014
- SILVA, Sônia Aparecida
Ignacio. Valores em Educação: O problema da compreensão e da
operacionalização dos valores na prática educativa, 3ª Edição,
Petrópolis, vozes, 1995
[2]
Por
categoria axiológica entende-se a forma de ser dos valores, a manifestação dos
valores, conforme o poder de captação e tratamento que se pode ter deles, no
desenvolvimento das experiências existenciais ou históricas, individuais ou
colectiva. Ou ainda, “categoria axiológica” refere-se ao valor enquanto algo
significativo, necessariamente presente à vida humana, ao mesmo tempo
determinante e determinado pelo processo humano de existir (Silva,1995: 27).
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