terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Muntugogia: uma reflexão sobre a pedagogia do Muntu.

  1. Introdução
O presente trabalho trata-se da reflexão sobre a teoria de Muntugogia, uma teoria que coloca o Muntu no centro das atenções e da pedagogia, e sustenta que, tendo em conta dos valores culturais que a africa tem, deve ser promovida uma pedagogia que seja própria ao Muntu, pedagogia construída na base da realidade que vive o africano.
Deste modo, três pontos serão tratados. O primeiro ponto trata-se da contextualização da teoria da Muntogogia na qual se apresenta a necessidade da dita pedagogia. O segundo ponto trata-se do fundamento da Muntugogia. Aqui vão ser apresentados os três pilares que sustentam o teoria da pedagogia do Munto. Isto é, a epistemologia, a axiologia e a ontologia.  No quarto ponto serão feitas as considerações gerais e por fim a bibliografia.
  1. Contextualização
A “Muntugogia” ou Pedagogia do Muntu, é uma nova nomenclatura  da pedagogia  aplicada à pessoa africana chamada Muntu. Esta pedagogia  procura atender de forma particular a pessoa africana na realidade do seu contexto sociocultural para responder às espectativas da sua sociedade.
O que sustenta a pedagogia do Muntu é a sua particularidade. Do mesmo modo que existe uma educação americana ou europeia ou ainda asiática, deve também existir uma educação que seja puramente africana, que corresponde com a cultura e realidade africana. Deste modo, o Muntu, como africana, tem a sua educação que é diferente doutras educações (europeia, asiática, americana, etc.), os seus valores tradicionais são diferentes e o seu modo de pensar e de interpretar a realidade do mundo é diferente. Estes elementos todos fazem com que se pensa numa outra pedagogia baseada de forma particular na pessoa africana, o Muntu,  uma educação personificada, específica destinada ao Muntu. A educação africana constitui o meio para compreender e fundamentar a Muntugogia. Assim, segundo a preocupação do autor iniciador de Muntugogia, precisa conhecer a pessoa que deve ser educada, conhecer os valores a transmitir e  método  educativo a privilegiar para que haja educação[1].
A Muntugogia aparece como uma resposta a um questionamento de longos anos, de ver a educação europeia “invadir” a identidade africana, dado que não houve a ideia  de ter uma filosofia de educação propriamente africana.
  1. Fundamento da Muntugogia
Para fundamentar a Muntugogia baseia-se nas tarefa da filosofia da educação. Isto é, na tarefa epistemológica, axiológica e ontológica.
2.1.A tarefa epistemológica
A epistemologia como teoria do conhecimento ou estudo crítico das várias ciências, é considerada como o momento crucial para a elaboração de uma teoria. É aqui que encontramos  justificação da filosofia da educação africana chamada Muntugogia.
Portanto, a pedagogia do Muntu ou Muntugogia encontra a sua justificação naquilo que a história relata acerca da educação. Viu-se que, desde muito o povo africano tinha a sua maneira de educar os seus filhos, tinha um modo particular de tratar os filhos e mostra que todos tinha uma educação comum organizada em etapas. Isto é, cada faixa etária tinha um módulo de formação em que cada criança ou jovem devia receber. Portanto, a justificação de Muntugogia acha-se presente na fundamentação feito pelos depositários da cultura africanas mostrando e explicando como é que foi concebida a educação, quais factores a considerar para que seja válida esta educação. Nesta perspectiva, recorre-se à metodologia da “sage philosophy” de Henry Odera Oruka, que, segundo Bono (2014:188), propõe legitimar um método da filosofia africana que não siga os cânones da filosofia clássica europeia, mas parta da vida e do pensamento dos sábios, depositários da sapiência e, por conseguinte, da filosofia africana. Deste modo, a pesquisa realizada junto dos sábios do território de Inhambane mostram-se fiáveis para fundamentar a base epistemológica da Muntugogia.
2.2.A tarefa axiológica
Para falar da Muntugogia, precisa conhecer o Muntu que é o objecto principal desta pedagogia africana, a sua cultura e os valores que são transmitidos. A axiologia é a base de toda a acção  pedagógica. Segundo Silva (1995:70), a educação sempre se faz a partir de bases axiológicas, portanto fundamentada em determinados valores e visando, por outro lado, a transmissão , reprodução, ou criação de novos valores.
Em outras palavras, sem a axiologia não há pedagogia, dado que esta  tem seus objectivos e metas a alcançar. Assim, a educação faz-se por meio de valores. Os valores africanos sobre os quais se constrói a Muntugogia estão presentes nas categorias axiológicas[2] apresentadas pelo autor iniciador da teoria e das pesquisas e escritos (citados, por completo na obra: “Muntuísmo”) que foram consultados e auxiliaram sobremaneira na configuração do quadro de referencias indispensável para fundamentação da teoria sobre a pedagogia do Muntu.
Bono (2014: 169ss), apresenta um leque de categorias axiológicas sobre o qual assenta a Muntugogia. Abordando o pensamento de Amaral, mostra que há sete categorias existências  na cultura africana. A escuta, considerada como elemento fundamental para uma cultura baseada na oralidade. Na sociedade tradicional africana a palavra tem poder sobre o indivíduo e por isso tem o seu correspondente,  a escuta,  uma virtude que exige a fidelidade ao conteúdo da mensagem herdada dos antepassados e que deve passar de geração em geração. O encontro é uma outra categoria. Este, caracteriza a vida do africano, porque os acontecimentos ou circunstâncias dentro da sociedade é uma ocasião para encontro. A relação com Deus, os antepassados, o clã e a família, marca a cultura africana. A acolhida e a hospitalidade é uma virtude próprio ao africano. A simpatia e empatia é muito sentida na sociedade africana e também a alegria, festa e esperança, caracterizam o povo africano. Estas categorias são muito importantes para a educação do africano. Pode-se dizer também que estes valores estão no sangue do africano de modo que ninguém pode lhe tirar. Comentando a ideia de Langa, o autor supracitado mostra que este último  limitou-se à educação negro moçambicano como educação tradicional africana. Esta educação caracteriza-se pela sua unidade, isto é não há diferença entre o profano e o sagrado, existe só um mundo. Também mostra que educação é teocrática dado que Deus é o ponto de partida e de chagada de toda a educação. Acrescentou-se que a educação é homocêntrica, porque é o Muntu que está no centro das preocupações. A educação africana é faseada, isto é, respeita a idade de cada um. Existem conteúdos diferentes para cada faixa etária. E por fim a educação é participativa dado que é toda a família nuclear que é responsável desta educação.
Na mesma ordem de ideia, Ngoenha citado por Bono (op.cit: 133), mostra que educar é antes de mais transmitir valores. Não é possível educar ou fazer uma teoria da educação sem uma ideia de homem, sociedade, história, cultura e vida. A maior preocupação não deve ser a  respeito do aspecto formal (metodológica, didáctica, etc.) mas material e isto é, os conteúdos  axiológicos que se pretendem transmitir, os objectivos por atingir. Parafraseando Castiano, Bono mostra que os saberes locais devem ocupar um lugar muito importante na educação, eles refletem a identidade do africano. Deste modo, os saber ou as experiências que o Muntu vive no seu dia a dia deve ficar patente no currículo. Por esta razão chegou a ideia da união de valores da localização e de  globalização. Falando disto, viu-se que Castiano privilegia um paradigma da educação que valorize a universalidade, a africanidade e a moçambicanidade. O que está em relevo são os valores. Como diz Silva (Ibid: 27), a reflexão filosófica sempre trabalhou com “categorias axiológicas”, não apenas visando aplica-las espontaneamente, como se dá no pensar cotidiano, mas realizando também um questionamento sistemático a respeito da função dessas categorias, suas origens e limitações, relações e influências mútuas, condições objectivas de surgimento, manutenção e transformação.
Portanto, as bases axiológicas do Muntugogia estão bem fundamentadas e alicerçadas naquilo que o africano vive no seu dia a dia.  Assim, não pode existir uma Muntugogia que não seja baseada nos valores, aliás, nos valores que sejam conhecidos como africanos.
2.3.Tarefa ontológica
Na justificação epistemológica da Muntugogia viu-se que o povo africano tem uma educação diferente de outros povos. Esta particularidade da educação está enraizada no Muntu como ser de relação, e é ligada na sua concepção do mundo, da natureza, do homem e de Deus.  Deste modo, a ontologia da Muntugogia vai junto com a epistemologia. Esta é a força vital e tem uma  ideia de um ser dinâmico, transcendente, um ser ontologicamente religioso. Portanto, a Muntugogia  é uma ontologia  transcendental dado que a sua educação é para gerações. em outra palavras, pode educar o Muntu para muitas gerações sem perder o seu valor.

  1. Considerações finais
A teoria de Muntugogia mostra que o muntu está no centro das atenções pedagógicas e apresenta a educação africana como meio para fundamentar esta teoria. De facto, a cultura africana tem uma grande riqueza a ser explorada e considerada como base para sustentar uma teoria. Do mesmo modo que existe uma pedagogia para educar um europeu, americano ou asiático, existe também uma pedagogia para educar o Muntu, uma pedagogia que valorize a cultura do Muntu e a realidade que vive. Educar um Muntu a partir duma base axiológica não africano é uma violência para com ele e uma maneira de esperar um resultado não satisfatório nem autêntico, mas sim, mascarado, isto é, esperar um resultado negativo dado que as realidades educativas e os valores que sustentam esta educação são diferentes.
A Muntugogia  revela-se como uma boa saída para a pessoa e a sociedade africana. Ela deverá aprofundar os aspectos que lidam directamente com educação. Visto o seu objecto de  estudo, a Muntugogia deverá pôr em relevo os agentes da educação, isto é, apresentar de forma sistemática a sua visão ou percepção do aluno, educador, escola; mostrar também como é o estado e a Igreja irão contribuir nesta  pedagogia que valoriza a cultura africa, e que conteúdo educativo e valorativo vai fazer parte desta pedagogia do Muntu.  Serão os valores culturais africanas tradicionais que serão na base desta educação ou haverá uma mistura de cultura com objectivos de selecionar o que é bom para o Muntu ? acho que a internacionalização  de culturas é uma riqueza para a Muntugogia dado que no mundo actual já se alterou os valores  culturais africanas “original”. A nossa sociedade africana está vivendo uma crise axiológica patente no novo sistema de educação. Fazer  uma pedagogia essencialmente africana para um africano misto com a cultura ocidental será difícil mas possível, é um grande desafio. Para a Muntugogia vai ser importante fazer um estudo comparativo com as outras culturas não africanas para enriquecer mais a pedagogia do Muntu.
A educação tradicional africana teve sucesso porque é toda a sociedade que foi envolvida na educação.  A criança ou jovem tinha medo do adulto (educador) e o respeitava , a família preocupava-se com a educação dos seus filhos, etc. mas na nossa sociedade actual, a família não se preocupa tanto na educação dos filhos e cada qual se preocupa com os seus próprios filhos. Os valores africanos conhecidos até agora perdem aos poucos a sua força por causa da mundialização. A Muntugogia deverá desta forma, ter uma estratégia muito forte para desafiar a pedagogia contemporânea que não respeita os valores africanos, já que as suas bases epistemológicas, axiológicas e ontológicas são bem fundadas.  
A pedagogia do Muntu, no entanto, deve ser ligado à experiência do Muntu. Para que haja uma mediação, o educador deverá saber que o Muntu tem a sua experiência ou a sua história e que o contexto em que vive influencia muito na sua educação. Portanto, a pedagogia baseada na realidade que vive a pessoa é muito importante e faz parte da tarefa que a Muntugogia deve cumprir. Deste modo, o papel da educação na perspectiva Muntugogista  é ajudar o Muntu a ser educado dentro dos parâmetros da sua cultura, já não são os livros ou a cultura ocidental que dicta  as linhas educativas, mas sim, os valores africanos e recuperar a sua identidade e os valores perdidos por causa do sincretismo cultural.


Bibliografia
  • BONO, Ezio Lorenzo. Muntuísmo: A ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea, Maxixe, Editora Educar, 2014
  • SILVA, Sônia Aparecida Ignacio. Valores em Educação: O problema da compreensão e da operacionalização dos valores na prática educativa, 3ª Edição, Petrópolis, vozes, 1995  



[1] Ideia tirada na palavra introdutiva da obra “Muntuismo” , de Ezio Lorenzo Bono (2014)
[2] Por categoria axiológica entende-se a forma de ser dos valores, a manifestação dos valores, conforme o poder de captação e tratamento que se pode ter deles, no desenvolvimento das experiências existenciais ou históricas, individuais ou colectiva. Ou ainda, “categoria axiológica” refere-se ao valor enquanto algo significativo, necessariamente presente à vida humana, ao mesmo tempo determinante e determinado pelo processo humano de existir (Silva,1995: 27).

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